domingo, 3 de junho de 2007

[História] América do Sul - Professor Elmo

Falar da realidade da Venezuela hoje é uma tarefa profundamente complicada, porque partimos da situação de uma população extremamente polarizada, quase incapaz, por enquanto, de criar um mínimo ambiente de tolerância e respeito mútuo, onde parece que manda o princípio: “Falo com você quando desaparecer”, atitude que se sustenta nos dois lados como uma constante. A chegada ao poder do atual presidente Chávez aconteceu num contexto bastante peculiar. De um lado, era evidente o colapso do sistema de partidos que, por causa do clientelismo partidário, – Venezuela é um Estado rico graças ao petróleo –, tinham desacreditado completamente as instituições fundamentais das democracias, isto é, os partidos políticos.
Do outro lado, a riqueza mal administrada havia deixado como conseqüência uma distribuição desigual e uma apropriação da mesma, criando contradições sociais que faziam prever, como de fato ocorreram em várias ocasiões, episódios de violência social e política. Um exemplo foi o “Caracazo” de 1989, quando na capital houve fortes desordens nas ruas e saques de lojas e mercados, em reação à aplicação das primeiras medidas de tipo neoliberal e à corrupção dominante no governo.
As classes populares e boa parte da classe média, embora por razões diferentes, apoiaram o então tenente coronel Hugo Chávez que, com um discurso contundente sobre o tema da injustiça e da luta contra a corrupção, emergiu como o homem providencial para fazer a mudança histórica que muitos esperavam (1998).
Venezuela:
Superfície: 912 mil km2
Capital: Caracas (2 milhões)
População: 25,1 milhões (2002)
Composição: mestiços 67%; brancos 21%;
afro-americanos 10% e índios 2%
Idioma: espanhol
Religião: catolicismo: 94,4%; protestantismo: 5,6%
Governo: república presidencialista
Economia: petróleo (produto principal), pesca, cana de açúcar, banana, milho, bovinos,
suínos, aves.
A Assembléia Nacional Constituinte (1999) apareceu como o meio mais eficaz para conseguir as mudanças. Produziu-se uma transformação do Estado e na mesma Constituição consegui-se dar espaço a certos temas de interesse para o país, inclusive internacionais, como os direitos das mulheres e dos indígenas, povos ancestrais que embora sendo uma pequena parte da população, carregam elementos e riquezas culturais importantes. Como é lógico supor, essas mudanças tão profundas deviam produzir um reajuste nos grupos do poder, que, evidentemente, se encontravam como perdidos nesse novo ambiente. Um grupo de políticos afastados do poder começou a fazer-se presente como força de questionamento. Porém, também dentro do chavismo, as deserções começaram a formar forças opositoras.
A isso deve-se acrescentar o discurso do presidente e sua “super-exposição” nas mídias. Na Venezuela, registram-se, em algumas semanas, até 12 ou 15 horas de cadeia nacional, durante as quais se começou a insistir, não mais na idéia de mudanças sociais e constitucionais para ampliar a base democrática, e sim no uso da palavra revolução para designar um estilo agressivo de exercer o controle do Estado, mediante a utilização do corpo militar em quase todas as repartições da administração pública, processo iniciado no famoso plano Bolívar 2000. Neste caso, um plano organizado por Chávez para atacar a pobreza foi objeto de muita corrupção, por ter sido colocado nas mãos dos militares com exclusão dos civis. Tudo isso, evidentemente, é feito em nome do povo soberano. Estando assim as coisas, os venezuelanos começaram a sentir que esse governo que iniciou cívico-militar, foi-se convertendo em um governo militar-cívico, segundo o parecer de Pablo Medina, líder do partido de esquerda, Pátria para Todos. E já sabemos, como escreveu alguém, que na “América latina, o problema não é pôr os militares na rua, mas voltar a metê-los nos quartéis”.
Se a isso somarmos as alianças abertas e triunfalistas com Fidel Castro, que tem enviado mais de 11 mil pessoas entre supostos médicos e professores, completamos o quadro do conflito. Não se pode governar um país seguindo um modelo nascido nos anos 60 e que, em nenhum lugar, mostrou uma realização satisfatória.
No ano de 2002, exatamente em abril, as tensões chegaram a seu nível máximo e as marchas, cada vez mais numerosas, alcançaram níveis de furor; a última culminou com uma convocação para ir até o Palácio de Miraflores, sede do governo, a fim de exigir a renúncia do presidente, mas acabou num banho de sangue de partidários de ambos os lados, sem que até hoje tenham sido aclaradas as responsabilidades por nenhuma das partes. A Comissão da Verdade nunca pôde ser instalada.
Depois disso e depois da declaração do comandante geral do exército de que o presidente tinha renunciado, foi constituído um governo efêmero, que se comportou de maneira pouco democrática e cujos erros deram motivo a uma facção do exército e a uma parte do povo para devolver Chávez ao poder. Este, uma vez de novo na presidência, acusou de golpista a oposição e se propôs a fechar ainda mais as comportas democráticas. As tensões continuaram e foi necessária a presença e a mediação da Oea (Organização dos Estados Americanos), que continua até hoje.

O QUE FICA DAQUELE SONHO ORIGINÁRIO?

Os anseios de mudança que nasceram no início se tornaram, aos poucos, uma espécie de pesadelo contraditório entre todos os atores, criando um enredo difícil de resolver entre um governo pouco disposto ao diálogo e aos acordos e uma oposição ainda pouco consciente do drama humano e social que se esconde atrás dos grupos que ainda apóiam o presidente e os que se opõem a ele.
Eleições poderiam, num dato momento, ajudar a baixar as tensões, embora momentaneamente; porém não desmontariam os mecanismos de mútua exclusão étnica, social e econômica presentes na sociedade venezuelana que, graças à embriaguez causada pela venda do petróleo, tem ainda dificuldade de reencontrar-se consigo mesma na sua raiz mais profunda, isto é, sua identidade latino-americana e caribenha.
Também a Igreja venezuelana foi atravessada pelo conflito: dentro dela mantêm-se setores com opiniões divergentes e até contraditórias. Segundo a leitura do pe. Ledesma, diretor de Avec (Associação Venezuelana de Educação Católica), “A Igreja perdeu uma ocasião preciosa de levantar sua voz profética acima das partes em conflito (em muitos casos é percebida como da oposição), apresentando verdadeiros espaços de diálogo que procurem de alguma maneira o entendimento. Apesar disso, mantém-se unida e oxalá que esta unidade lhe permita reencontrar sua vocação e missão pacificadora e promotora de justiça e de misericórdia”.

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